Verão, Ansiedade e Corpo: quando o cuidado vira cobrança
- Marleide Rocha

- 2 de out.
- 4 min de leitura

O verão está chegando e, junto com ele, muitas pessoas, especialmente as mulheres relatam um aumento da ansiedade. O motivo nem sempre é a estação em si, mas o que ela representa: roupas mais curtas, convites para praias e piscinas, mais pele a mostra, campanhas publicitárias que exaltam corpos “perfeitos”e irreais. Essa narrativa, repetida todos os anos, cria uma sensação de dívida com o próprio corpo. É como se, para aproveitar a estação, fosse preciso antes conquistar uma versão magra, tonificada e impecável de si mesma.
Esse cenário não é coincidência. Pesquisas apontam que mulheres são mais vulneráveis à ansiedade do que homens, e que fatores sociais e estéticos têm um peso significativo nessa diferença (Organização Mundial da Saúde, 2023). A pressão para corresponder a padrões irreais de beleza não só mina a autoestima, mas também afeta a saúde mental de forma profunda. Isso sem contar os lucros estratosféricos da indústria do autocuidado e bem estar.
Mas afinal o que realmente ajuda?
Não custa lembrar que existem caminhos saudáveis e cientificamente comprovados para quem deseja cuidar do corpo, seja perdendo peso, construindo músculo — e, ao mesmo tempo, proteger a mente.
O acompanhamento nutricional individualizado é um deles. Ele vai além das calorias e restrições, ajudando a construir uma relação mais equilibrada com a comida. Diretrizes recentes em nutrição no Brasil reforçam que o foco deve estar em variedade, prazer e sustentabilidade, e não em dietas da moda ou as dietas restritivas.
A prática regular de atividade física é outro pilar. Além de contribuir para o condicionamento físico, ela tem impacto direto na redução de sintomas de ansiedade e depressão. Uma revisão publicada em 2023 no British Journal of Sports Medicine mostrou que mesmo níveis moderados de exercício já são capazes de trazer benefícios significativos para a saúde mental. E leia-se atividade física vai além da academia ou a corrida - dança, esportes coletivos, circo etc, foque em atividades prazerosas!
Nos últimos anos, medicamentos como as chamadas “canetas emagrecedoras” (semaglutida, tirzepatida) também ganharam destaque. Estudos clínicos publicados no New England Journal of Medicine entre 2021 e 2022 apontaram reduções médias de 12% a 21% do peso em pacientes acompanhados de perto, quando o tratamento foi associado a mudanças de estilo de vida. Mais recentemente, em 2023, evidências também mostraram benefícios cardiovasculares em pessoas com obesidade e doença cardíaca. Mas aqui cabe uma ressalva essencial: essas medicações não são atalhos mágicos. Elas exigem prescrição médica, monitoramento contínuo e, sobretudo, devem vir acompanhadas de hábitos de vida que possam ser mantidos no longo prazo.
Não adianta olhar para esses medicamentos milagrosos, eles não são - nem a cirurgia bariátrica faz milagre se os bons hábitos não se construiem.
O perigo dos atalhos, fuja!
Quando a pressa fala mais alto que a ciência, os riscos aumentam. Automedicar-se com canetas emagrecedoras ou usar substâncias sem acompanhamento médico pode trazer efeitos colaterais sérios, como náuseas persistentes, pancreatite e complicações mais graves. Tanto a Anvisa quanto o Conselho Federal de Medicina reforçaram recentemente que esses medicamentos devem ser usados apenas sob supervisão e com retenção obrigatória da receita.
O mesmo vale para dietas extremamente restritivas. Embora prometam resultados rápidos, elas frequentemente levam ao efeito sanfona e aumentam a chance de desenvolver compulsão alimentar ou transtornos mais graves. Em vez de libertar, esses caminhos acabam prendendo a pessoa em um ciclo de culpa, restrição e recaída.
Não se iluda, não existem atalhos, suspeite de profissionais que oferecem soluções milagrosas e "simples"para uma questão tão complexa!
Pressão estética e saúde mental
O problema não está apenas no corpo. Ele se infiltra na mente. Estudos de 2022 e 2023 em psicologia mostraram que a exposição constante a imagens de corpos idealizados nas redes sociais está associada a maior insatisfação corporal e aumento dos níveis de ansiedade.
Esse impacto começa cada vez mais cedo. Pesquisas brasileiras indicam que mais de 70% das adolescentes já experimentaram alguma forma de dieta antes mesmo da fase adulta, muitas vezes sem acompanhamento profissional. Relatórios recentes também apontam que meninas a partir dos 10–12 anos já relatam insatisfação com sua aparência e preocupação excessiva com o peso — um fator de risco importante para o desenvolvimento de transtornos alimentares na vida adulta.
A cobrança interna nasce de uma pergunta silenciosa: “será que eu estou à altura?”. Essa pergunta corrói, porque a resposta nunca parece suficiente. É nesse ponto que o autocuidado deixa de ser um gesto de amor e se transforma em mais uma tarefa a cumprir, mais um produto a consumir, mais uma cobrança que afasta da essência do bem-estar e adoece.
Que tal recolocar o cuidado (real) no centro das suas escolhas?
O corpo não precisa ser preparado para o verão; ele precisa ser respeitado todos os dias do ano. Isso significa estabelecer metas que façam sentido para a sua vida real e a sua rotina possível — ter mais energia para brincar com os filhos, dormir melhor, sentir menos ansiedade após o trabalho dentre outros.
Significa comer de forma que nutra, mas também que traga prazer. Significa movimentar-se como dá, e não como ditam os vídeos perfeitos de treino. E, se houver indicação médica para tratamento medicamentoso, que seja dentro de um plano seguro, transparente e acompanhado de perto. Afinal, saúde não é sinônimo de pressa, mas de constância e observação aos sinais do próprio corpo, e não só do espelho.
O meu convite...

Neste verão, em vez de se perguntar se o seu corpo está pronto para a estação, para encarar o biquini ou a mini saia, que tal perguntar se o cuidado que você dedicado a ele está a serviço da sua vida presente e também futura? Lembre-se, o corpo é a sua casa, sua morada definitiva e não uma casa de veraneio. Lembre-se também que a verdadeira liberdade está em viver cada estação com equilíbrio, saúde e paz mental — e não com a sensação de estar sempre em débito, correndo atrás de um padrão que nunca chega e só produz mais sofrimento.








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